LEIA ESSA BAGAÇA

Oi, eu achei legal a ideia de me mandar algo. É tipo um diário, certo? Bom, hoje é dia 15/08/2017, atualmente eu estou férias, gosto muito de BTS e não tenho uma perspectiva certa na vida. Na verdade, não sei se quando receber de volta estarei assim, mas minha perspectiva é não existir. Não que eu tenha coragem de fazer alguma coisa e tal, é só que eu não gosto do mundo, eu não me sinto confortável estando aqui. Tempos atrás, eu comecei a pensar nas formas de me livrar desse lugar, mas hoje eu só persisto com o sentimento de não saber o que fazer. Talvez eu nunca saiba, nos dias de hoje, eu sou uma covarde. A Kiara morreu na sexta-feira. Acho que todo mundo já sabia que ela iria morrer porque ela estava muito doente, mas eu não consegui ter uma resposta boa. Ainda consigo ouvir o choro dela e toda vez que fecho os olhos eu consigo ver perfeitamente a situação em que eu a deixei quando saí de casa na sexta. Eu sabia o motivo dela ter chorado na noite anterior, mas eu fiquei com preguiça, eu não quis me levantar e ir ajudar. E no final, fiquei sabendo que ela chorou muito alto até que finalmente morresse, eu não estava em casa para ajudar também. É engraçado porque em um momento eu me recusei e no outro momento a oportunidade me foi tirada. Eu me sinto culpada e mais miserável do que tudo. Parei para pensar enquanto voltava pra casa na sexta, novamente a frase que a professora de bio animal disse no primeiro período de universidade me veio a mente: "Não existe altruísmo verdadeiro na natureza" e apesar de altruísmo ter um significado, ele acabou se encaixando muito bem na situação. Nós só somos bons até um certo momento, até onde a bondade seja confortável. Depois dessa linha, não existe mais a vontade de querer ser bom. Eu não sei o que existe. Só sei que ter uma epifania sobre isso aumentou o sentimento de não querer fazer parte disso. Não é que eu não me encaixo, eu só não quero me encaixar. Domingo foi dia dos pais, eu não consegui falar com o meu, mas falei com ele ontem. Percebi que na minha cabeça eu não me importo com o quanto as pessoas possam discordar do que eu penso, entretanto, eu nunca consigo dizer para o meu pai a minha opinião de verdade. Eu não consigo ser sincera, talvez por isso nós não fiquemos bem realmente. Quando receber essa carta, acredito que esse sentimento ainda seja uma realidade. É que em relação ao meu pai, eu também me sinto culpada. O episódio do final do ano continua me vindo a cabeça, eu sou alguém horrível, eu fui má pela vontade de ser e mesmo que ele, por vários motivos, possa ter merecido, não era eu quem tinha que fazer ele sofrer pelas coisas que ele já fez. Eu não tinha esse direito, ninguém tem. Domingo eu também fui ao cinema com o Vitor e o Dalton. Se, por acaso, você não estiver próxima o suficiente do Vitor quando receber, faça-me o favor de se desculpar e se aproximar novamente. Ele certamente não merece uma amiga como eu, mas eu também não conseguiria seguir sem um amigo como ele. Foi um momento bom, fazia muito tempo que eu não ia ao cinema, acho que faz muito tempo que eu não saio no geral. Tudo perdeu a graça. Nós fomos embora no mesmo ônibus, ele me contou sobre conseguir perceber se há algo errado com as pessoas, mas ele disse que não achava que eu escondia algo. Talvez eu saiba fingir muito bem.