A letter from August 31st, 2020

Time Travelled — almost 5 years

Peaceful right?

Querida Eu do futuro, Boa noite. Ou bom dia, boa tarde. Não sei quando isso vai chegar pra você. Na verdade, não sei nem mesmo se vai chegar ou não. Tomara que eu não troque de email nos próximos cinco anos. Enfim… sem conversa fiada. Como anda você? Será que você ainda se lembra de estar sentada na escrivaninha digitando essa carta? Espero que sim… Por mais que eu queira esquecer muitas coisas desse ano, a parte racional de mim diz que tudo isso faz parte do meu (nosso?) crescimento e desenvolvimento como pessoa. É difícil escolher como falar. Você sou eu, mas 5 anos parece um abismo… grande, mas superável. Eu não sou mais a Brenda de 2015, e a Brenda de hoje não vai ser mais a Brenda de 2025. Mesmo assim, eu sei que eu vou estar aí, dentro de você, quase que nem um fantasma. No fundinho. Espero que com essa carta eu consiga acordar o que resta de mim aí. 18 anos. É minha idade hoje, dia 25 de agosto de 2020. Mamãe sempre disse pra gente que essa era a idade mais linda pra se ter. Lembra? “Minha filha, você nunca vai estar tão linda e tão feliz como quando você tiver 18 anos”. Bom, espero que ela esteja errada. Se esse for meu apogeu, não quero nem ver o meu pior. Você me conta: eu fiquei mais bonita? eu fiquei mais feliz? Que pena que essas coisas são unilaterais… se você pudesse responder talvez fosse melhor. Ou pior. Não sei. Nos filmes de ficção científica falam que nunca é bom saber demais sobre o futuro. Tem muitas coisas que eu não sei, e tenho certeza que você também não sabe muito. Será que nós temos as mesmas questões? Será que a nossas inquietações são as mesmas? Será que nós amamos do mesmo jeito? Odiamos do mesmo jeito? Choramos do mesmo jeito? Espero que não; qual o ponto de crescer se não for pra me tornar melhor? As famosas dores do crescimento não podem ser pra nada. A experiência de ter 18 anos é estranha. Eu sei, eu sei. Você deve estar se perguntando porque eu não falei ainda do elefante no quarto: a pandemia e tal. Tudo bem que eu tô literalmente vivendo um marco histórico pra humanidade, mas, francamente, você me conhece bem o suficiente pra saber que eu sou egoísta e narcisista demais pra usar essa oportunidade pra falar do coletivo. Se essa carta um dia chegar em um historiador que quer entender como a geração Z lidou com o Coronavírus, já vou avisando que aqui vocês não vão achar nada de relevante. Pra que terapia se eu tenho a Brenda de 23 anos? Então essa carta vai ser 100% autoindulgente. Eu nem sei por onde começar, na verdade. Pelo trabalho? Pelo coração partido? Pelo meu pai? Pelo vovô? Vou começar falando em como eu sinto saudade dos meus amigos. Uma das partes mais difíceis dessa história toda de quarentena tá sendo ficar sem ver a Ana, o Tuco, o Luiz, o Carlos, o Arthur… com quantos desses você ainda tem contato? Quais você não vê a mais de 6 meses? Quais se tornaram estranhos? Espero que nenhum, mas a experiência me diz que a sua resposta vai ser outra. Minha adolescência mal acabou e eu já sinto falta dela. Como você lida com isso? Com a falta? Parece que só esse ano eu perdi tanta coisa… Aliás, eu tive meu primeiro trabalho, com meu pai. Com 23, acho que você já deve estar trabalhando também. Você gosta da área que você escolheu? Como tá a faculdade? Você achou o que você gosta de fazer? Espero que não seja nada entediante, você sabe como eu gosto de atenção. Papai. Por falar nele, como ele tá? E a Larinha? 12, 13 anos. Meu Deus, ela deve estar insuportável. Só Deus sabe como eu era nessa idade. Espero que você seja uma irmã companheira e paciente. Tipo, a irmã mais velha descolada dela, que ela mostra pras amigas. Espero que ela possa se abrir com você. Com essa idade eu me sentia tão sozinha e sem lugar… parecia que ninguém me entendia. Se até hoje eu me sinto assim (imagino que você também), imagina com 12 anos! Então se você se esqueceu, ou simplesmente não tá sendo presente o suficiente, esse é seu lembrete. Lembra de 2015. Da sensação de ser incompreendida. Do quanto você chorou no banho escutando Paramore. E vai atrás da sua irmã. Como minha mãe está? Espero que muito bem, obrigado. Eu me preocupo muito com ela, sabe. É tão estranho, por que parece que foi ontem que eu era criança, acordando com ela do meu lado, os cachinhos dourados me cercando. Ela continua aqui, claro, mas ela é outra pessoa e eu também. Estranho como os anos ensinam a gente que as pessoas são complexas… nessa época, pra mim minha mãe era um anjinho. Pele alva, sempre quentinha e de abraço gostoso. Ela continua servindo de porto seguro, mas agora de um jeito diferente. Eu já vi o melhor e o pior dela, e acho que no fim das contas experienciar ela por completo é melhor do que se eu tivesse simplesmente essa imagem congelada dela na minha cabeça. Crescer e perceber que seus pais são pessoas tão complexas como você não é fácil, você provavelmente sabe melhor do que eu. Eu me sinto meio desprotegida, na verdade. A parte boa de idealizar as pessoas é que a versão perfeita delas nunca erra. O mundo gira em torno de você, então sempre que você precisar, eles vão estar ali pra ajudar. Os mentores e coadjuvantes da sua Jornada do Herói pessoal. Claro, não é assim que funciona. O que acontece quando seus salvadores precisam de um salvador também? E pior, quando eles também não têm pra onde correr? Efeito dominó total. Um mais perdido que o outro. Acho que desamparada é a palavra. Perdida. Até meio vazia. Nunca me senti tão indefesa, sem propósito, mas não posso nem cobrar dos meus pais apoio, por que eu vejo que eles estão do mesmo jeito. Me diz, Brenda: Em cinco anos, a gente aprendeu o que fazer nessa situação? A gente entendeu como funciona o luto? E eu não digo nem só o luto pelo vovô, não. Tem outros, aqui dentro: luto da nossa infância, luto da nossa juventude. Luto do nosso primeiro amor. Fico tentando achar aqui dentro de mim minha luz, minha bruxa interior, mas ela anda perdida. Você conseguiu contato com ela? A Deusa que mora aí dentro? É seguro apostar que em 5 anos eu provavelmente vou perder mais pessoas. A vovó Ude anda bem? Francamente, eu queria falar mais sobre ela, mas pra mim é até difícil colocar em palavras. Tenho muito medo de imaginar ela em 5 anos. Tentando ser otimista, vou apostar na imortalidade, mais uma vez. Se ela ainda estiver aí, diz que eu amo ela demais. Aproveita e fala que você ama ela também. Espero que a vó Fá continue do mesmo jeito: um furacãozinho de gente, a mãe mais mãe que eu já vi. Não esquece nunca dela, e de perguntar como ela está. Mesmo ela sendo, forte, precisa ser cuidada, e ela já cuidou muito de você. Parece que a conversa tá chegando no vovô, então vou desviar o assunto de novo. Vamos fofocar agora. Aposto que você ainda gosta de fofoca… Tá no sangue!! Como anda sua vida amorosa, hein? Já superou a síndrome de garota dos sonhos? Tá namorando? Aposto que não. Sendo bem honesta, de um jeito que eu normalmente não me permito ser, tem sido estranho pensar em amor. Minha vontade é não falar sobre, parece estúpido. Meu instinto sempre diz pra eu ignorar essas coisas, mas acho que ocupa um papel tão grande no meu crescimento e também na perda da minha sanidade no último ano, que acho que seria bom discutir sobre. Como você lida com um coração quebrado? Já teve algum outro nesses 5 anos? O que eu senti pelo Arthur, era amor mesmo? Acho que com a minha idade, é tão difícil dizer. Não acho que ainda quero ficar com ele, mas a possibilidade me deixa intrigada, empolgada…? Difícil descrever. Será que é só medo de mudança? Medo de não sentir o que eu senti por ele de novo? Hábito? Provavelmente. Mas é exaustivo ficar fazendo psicanálise em mim mesma. É difícil, às vezes, lidar com o fim de alguma coisa que parecia tão certa. Então, me conta: você sabe por onde ele anda? Se ele tá com alguém? Acho que o que eu realmente queria saber é se ele ainda pensa em mim, ou em você. Se eu não couber mais no coração, será que vou ter, pelo menos, um lugar reservado nos pensamentos dele? Não me parece muito saudável isso, mas eu minha vontade é essa: fazer a Stevie Nicks e rogar a praga: you´ll never get away from the sound of the woman that loved you. Essa necessidade de ter um lugar na vida dele, acho que nunca vai passar. Me parece que, por vezes, isso é tudo que sobra de um relacionamento: a ânsia de ter vivido algo grande, insubstituível, e o medo de ser esquecido. Bom, se a ferida já tiver cicatrizado, manda uma mensagem pra ele. Ele não gosta muito de conversar desse jeito, mas acho que vai apreciar a lembrança. Espero que em 5 anos, eu tenha aprendido a não ter medo de parecer boba pelo o que eu sinto. Amar, sendo ou não, amado de volta, é lindo, é arte. Por mais que soe clichê, é verdade. Então, se me permite ser prepotente por um momento e tentar aconselhar alguém com cinco anos a mais de experiência do que eu: sempre que possível, seja fiel aos seus sentimentos. Independente das consequências, jogue de acordo com o que você sente. Agora, o ato final: vovô. Como tá sendo pra você? Minha mãe disse que, com o tempo, vai ficando mais fácil. Agora, um mês e 17 dias sem ele, parece que vai me sufocar. Sabia que hoje, no almoço, eu comi tomate e só conseguia pensar que eu nunca mais vou comer a salada dele? Estranho como, ao mesmo tempo que parece que eu vou ver ele daqui uns dias, a falta dele me deixa inconsolável. Não tem nada que faz parecer melhor. Nada mesmo. Queria que ele visse minha formatura. Me conta, foi tão difícil quanto parece? Não ter ele lá? Queria saber colocar o que eu tô sentindo aqui de um jeito bonito, poético. Mas a verdade é que, em dias como o de hoje, nada do que eu tô sentindo parece bonito. É tudo meio cruel, injusto, revoltante. Não quero parecer ingrata: o fato de eu ter conseguido me despedir e dizer uma última vez que eu amava ele é maravilhoso. A maioria das pessoas não têm essa sorte, nem de longe. Mas não muda o fato de que ele não está aqui. Não muda aquela manhã horrível, eu parada do lado do carro da funerária, a urna trancada, e eu querendo só mais um momento do lado dele. Sem querer sair de perto, pensando “essa é a última vez que eu vou estar tão perto do meu avô, e mesmo assim tem duas portas de uma fiorino e uma tampa de caixão entre a gente”. Como é que pode ser? Eu podia abraçar ele, algumas semanas atrás. Era tão fácil como andar daqui até a cozinha e pegar um copo de água. Chegar na casa da minha vó, olhar primeiro na cozinha. Se ele não estivesse no tanque ou perto do radinho, checar a janela do quarto dele. Mas o tiro e queda era a sala de televisão. Canto direito do sofá, sempre. Chegar lá, um beijo na bochecha e um abraço. Oi, vô. Como o senhor tá? Se isso pra mim já parece distante, imagina pra você. Acho que eu vou demorar a descobrir algo que doa tanto quanto ver ele ser sepultado. Algo tão rápido pra eles. Baixar o caixão, jogar terra por cima. Tudo demorou no máximo 10 minutos. Mas pra mim, era minha pessoa preferida. Meu vô, que me ensinou a andar de bicicleta, a jogar baralho. Eu queria ter ficado lá com ele. Você ainda lembra do cheiro dele? Ainda tem as blusas? Eu não quero esquecer o cheiro dele nunca. Tenta lembrar, por favor. É cheiro de casa, de infância. Cheiro de amor. Enfim, obrigada por me ouvir. Acho que às vezes é importante ter a perspectiva de outra pessoa, e não é fácil achar alguém que queria escutar. Só entre você e eu: acho que eu tenho mais a te ensinar do que você a mim. É difícil falar do futuro, pensar nele também. É o desconhecido, o inalcançável. Mas é mais difícil ainda falar do passado, lembrar do que não volta mais. Cada momento desses é tão pequeno. A linha entre eu e quem eu já fui e quem eu vou ser é tão tênue e traiçoeira que, na maioria das vezes, eu não sei distinguir. Parece, pra mim, um rio no qual eu joguei uma pedrinha que causou ondulações na água. Ecos da minha personalidade, das minhas experiências. Autoconhecimento é legitimamente algo impossível, e eu não tenho pretensão nenhuma de fingir que eu consigo me entender. Eu gosto da gente assim: uma floresta escura, no meio da noite. Parece infinita, sem fim nem começo. Cheia de espelhos, crianças, idosas, adolescentes, adultas. Fadas, dríades, bruxas, princesas, rainhas, ciganas e feiticeiras. Umas borboletas, também. Inefável. Difícil saber o que nós encontramos nesses cinco anos. Esse tempo todo em que estou escrevendo a carta, tenho tentado evitar fazer previsões. Não é falta de curiosidade, e nem medo das respostas. É humildade. Pensar que eu confio em nós, e eu confio na vida. Confio na jornada e no processo. No crescimento. É uma mentira fácil dizer que vai ficar tudo bem, por que não vai. Na verdade, acho que na maioria das vezes, vai ficar tudo… normal. Mas isso não quer dizer que vai ser entediante. Só quer dizer que o normal é isso: euforia e melancolia, felicidade e tristeza, amor e ódio, beleza e terror. Tudo isso caminha junto. E nós também. Essa é uma celebração de nós. Não eu, de 18, e você de 23. Nós. Com 7, 46, 72, 89, e todas as outras no meio. Todo o meu amor, B.

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