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Oi, futura eu. Como vai você?
É muito estranho estar fazendo isso, nunca escrevi uma carta, muito menos pra mim mesma. Mas vi no twitter a existência desse site e pensei comigo mesma: por que não? Estou passando por uma fase tão ruim e me sinto tão sem esperanças que pensei que pode ser bom escrever para uma versão de mim que talvez já tenha superado tudo isso e tenha atingido pequenos desejos (ou talvez eu esteja pior, nunca se sabe). Então se prepara, senta bem confortável e vamos lá, isso aqui vai ser longo.
Hoje é dia 22 de novembro de 2022. Você lembra onde estava? Nesse momento estou sentada em uma rede na casa do meu pai, do lado de fora no friozinho gostoso da noite. Ele e Aline esperam que eu entre pra banhar antes que eles durmam, então teoricamente eu não deveria demorar nisso.
Estou escrevendo esta carta para ser lida dia 14 de novembro de 2025. Hoje completa 1 semana que me assumi, estarei lendo isso ao completar 3 anos. O que mudou nesse período?
Ouvi coisas tão ruins da minha própria mãe, estou com tanto medo. Nesse momento não parece que ela vai ser capaz de me aceitar algum dia. Ela sente vergonha, muita vergonha. Além de nojo, desprezo, ódio, decepção e vontade que eu morra. Não está sendo fácil lidar com isso. Vim para o meu pai porque ele me pediu, para me afastar da minha mãe e para conversamos sobre isso. Mas ele não está conversando, está evitando o assunto e fingindo que está tudo bem, enquanto eu enlouqueço por dentro. Por um lado, é bom ser tratada exatamente do mesmo jeito, com o mesmo amor de antes, como se nada tivesse mudado. Por outro lado, mudou SIM! E eu quero que mude. Não aguento mais viver fingindo, mentindo, me escondendo. Eu não vou mais suportar viver assim. Estou morrendo de medo de que esse é o caminho que vão seguir, o de fingir que nada está acontecendo, que eles não sabem quem eu sou, sendo que fui clara e continuo sendo. 1 semana depois de me assumir, é isso que parece que acontecerá. E isso me desespera. Eu não me assumi para que tudo continuasse igual. Eu quero uma mudança na minha vida, quero liberdade de ser quem sou e amar abertamente quem eu amo, de poder ir e vir, de fazer minhas escolhas pensando na minha felicidade. Cansei de viver em função de não desagradar minha mãe, enquanto fico infeliz fingindo seguir o caminho mais confortável pra ela. Eu quero viver pensando na minha felicidade, eu não aguento mais não ter liberdade de fazer isso. Te pergunto: eu agora tenho essa liberdade? No futuro, no caso. Eu posso postar foto com minha namorada? Posso sair com ela sem medo de ser vista? Minha mãe consegue conviver com ela? Minha mãe ainda odeia quem eu sou? Posso apresentar para a família e ser apresentada para a família dela? Minha família sabe de mim? Minha família me aceita ou me vê com outros olhos agora? Esse é um dos medos que sinto agora. Amo minha família e tenho medo de como eles me verão quando souberem. Não sei como vou conseguir fazer isso, como vou conseguir deixar que eles saibam. Não quero ser tratada diferente e acho que isso vai acontecer com certeza. Eu me senti envergonhada quando isso aconteceu? Doeu? Ou nem aconteceu? Eu ainda me escondo? Estou tão apavorada com essa possibilidade.
Ta tudo doendo tanto... As palavras da minha mãe, as promessas dela de que vai se suicidar se eu "continuar com isso", a fuga do meu pai, e principalmente o quanto estou me sentindo sozinha nesse momento. Me sinto tão tão só. Eu to confusa, machucada, morrendo de medo, e não tenho ninguém com quem conversar, ninguém pra me ouvir e apoiar. Minhas amigas não entendem o que estou passando. Meninas hétero simplesmente não conseguem entender o que é isso (acredite, eu tentei). Minha namorada está afundada na própria depressão e não consegue me oferecer apoio agora. Essa é uma parte doída de namorar alguém depressivo, você está ali para todos os momentos, mas dificilmente a pessoa vai poder estar ali pra você, e você acaba passando por tudo se sentindo solitário; dando todo o seu apoio enquanto por dentro quer implorar pra receber ajuda também. Acho que soa egoísta da minha parte, mas eu só queria um apoio. Principalmente porque ela que me pressionou tanto para que eu me assumisse logo, me fez sentir tão julgada por não fazer isso, me fez sentir uma namorada de merda e uma covarde (não a culpo por isso, entendo completamente). E quando eu finalmente faço, ela está passando por algo (ela saiu do último emprego) e não pode estar ali por mim; pelo contrário, estou tentando tirar forças de onde não tenho para poder dar a ela. E não me entenda mal, eu do futuro. Dar suporte para a mulher que amo não é um problema, estarei aqui sempre que ela precisar de mim; é só porque agora eu também estou precisando muito.
Falando em namorada, deixe-me fazer minhas apostas aqui. Não estamos mais juntas, estamos? Eu gostaria muito que estivéssemos, mas não sei se vamos conseguir superar a falha na comunicação que acontece entre nós. Já é difícil e dolorido com apenas 5 meses, quem dirá anos. Não acho que conseguiremos superar isso para ficarmos firmes juntas. Acho que não duramos, não é? Espero estar errada. Espero estar feliz com ela, morando juntas, vivendo em paz longe de todos que querem nosso mal, seguras no amor uma da outra e com a certeza que fizemos a escolha certa. Mas me diga você, porque nesse momento eu tenho muitas dúvidas.
Se eu não estiver com ela, com quem estou? Estou feliz? Me recuso a seguir de relação tóxica em relação tóxica. Então, se for isso que está acontecendo, te peço que repense. Siga sozinha por um tempo, sem vínculos, acho que vai ser muito bom pra você caso essa relação não dê certo. Esse é o pedido do seu eu que quer muito só viver em paz. Se lembre disso, se lembre de querer tão desesperadamente isso.
Mudando de assunto, estamos a menos de 1 mês de entregar o TCC. Pensando nisso, eu gostaria muito de ser você. Gostaria de ser a versão de mim que já passou por isso e nem se preocupa mais com essa merda. Nesse momento, isso me deixa apavorada. Esse tcc já era para estar entregue e apresentado. Mas agora, faltando menos de 1 mês para depositá-lo, você nem sequer consegue parar para escrever. Eu simplesmente não consigo mais. Onde está aquela menina focada e estudiosa de antes da pandemia? Ela voltou? Porque agora eu não sei onde encontrá-la. É como se não existisse mais. Eu não me sinto mais a menina estudiosa, esperta e eficiente que eu era antes. Eu teria feito isso em 1 mês e seria muito bem feito. Agora, estou há mais de um ano trabalhando nisso e não consigo terminar. Sinto tanto desgosto por esse trabalho. Desgosto de mim mesma por não ser capaz de fazê-lo. Desgosto da orientadora de merda que eu tenho, que me faz fazer um tcc sem orientação nenhuma, 100% por conta própria. Desgosto da minha escolha de embarcar nessa achando que eu seria capaz (eu não sou). Desgosto pelo momento em que eu decidi aceitar essa mulher como orientadora por causa de uma bolsa. Desgosto por tudo que houve depois. Desgosto muito grande de mim mesma. Posso até apresentar, mas eu já fui capaz de coisas muito melhores e me envergonho de entregar isso ("isso" que nem está pronto agora). Não sei como vou conseguir terminar, mas preciso, mesmo sem sentir nenhum orgulho.
E o mercado de trabalho hein? Conseguiu atuar na área? Conseguiu se manter atuando? Nesse momento, me parece que não vou conseguir ser enfermeira. Me parece que serei mais uma das pessoas que tem apenas um diploma para guardar dentro de uma gaveta esquecido. Por um longo período da graduação eu me achei capaz. Achei que era isso que eu queria, achei que eu era boa nisso e seria uma boa profissional. Eu realmente acreditei nisso. Hoje, eu não acredito mais. Eu não tenho capacidade nenhuma para exercer essa profissão. Não tenho habilidades, conhecimentos e nem oportunidades. Sinto como se qualquer pessoa que não fez curso nenhum da saúde sabe mais de saúde do que eu. Me sinto incompetente demais para ser enfermeira. Eu não mereço essa profissão e essa profissão não merece alguém tão sem conhecimentos quanto eu. Sou uma grande tapada. Passei 3 anos aprendendo tudo que podia, para nos 2 últimos anos sentir que tudo que aprendi foi para o ralo e não consigo absorver mais nada. Será um milagre se eu conseguir seguir essa carreira. Eu consegui? Se eu consegui, me sinto uma impostora? Me sinto uma fraude?
Mas o principal, por favor me diz que eu saí daquela cidade. POR FAVOR, me diz que eu não to mais vivendo naquele lugar.
Pensei em escrever para 10 anos no futuro ou algo assim, mas parei e pensei que talvez fosse melhor uma versão de mim que ainda lembre de sentir tudo isso. Que tenha superado, mas que se lembre e possa olhar pra trás e ver que venceu seus grandes medos. Por isso essa carta foi pra você de 26 anos. Porque eu queria falar com alguém que entendesse tudo que eu estou sentindo, e ninguém melhor do que eu mesma, mas a versão que (eu espero) tenha conseguido passar por tudo e que talvez no momento que está lendo essa carta pense "cara, pareceu tão ruim, mas passou e hoje eu estou bem".
Claro que você pode estar lendo essa carta sem ter vencido nada disso. Pode estar lendo com o coração doendo porque não conseguimos. Mas eu quero tanto que você esteja bem, que tenha alcançado pelo menos os objetivos básicos (ter liberdade de ser você, ter paz, ter emprego e independência).
Por último, faço um pedido. Escreve outra carta para uma outra futura eu. Registra o que conseguimos (ou não conseguimos) e o que desejamos alcançar. Quero ter metas de vida, quero ser capaz de pensar em um futuro pra mim e quero ver se consigo alcançar.
Desculpa pelas muitas palavras, mas eu precisava disso. Muito obrigada por tudo que você conseguiu, por tudo que enfrentou e por quanto lutou e se esforçou. Vai ficar tudo bem, você consegue e eu te amo.
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